terça-feira, 23 de outubro de 2012

Daquela margem


Nikolai Platonovich Ogarev (11813 - 1877)
Poeta russo, publicista e revolucionário.
"С того берега" (1858)

Tradução do russo por Mykola Szoma
Daquela margem

Sentado num penhasco, ouço:
Um mar escuro batendo palmas,
Ele balouça;
O seu marulho agradável,
Quase tristonho,
Não me sugere pensamentos claros.
Lanço um olhar sobre a margem ocidental --
Saudade aperta-me o coração, repugnância;
Quando me volto ao distante oriente --
De medo, célere palpita o meu coração.
Trêmulo... Escondo a face entre as mãos.
Ouço as ondas murmurando -- Penso, então!
Mas, o que eu penso, em altas vozes se clama
Que nem é uma canção e nem um conto de fadas.

Lanço um olhar sobre a margem ocidental --
Aos que existiam lá, eis o que lhes aconteceu.
Numa manhã gelada, bem cedo pela madrugada
Avançavam os batalhães, marchando pelas ruas;
A cavalaria ruidosa galopava e, com os cascos,
O compasso, para a infantaria marchar, marcava;
As batidas, do som do surdo, acompanhava...
Os tambores estridulavam sem cessar,
À frente, bandeiras e bandeirolas militares,
Ostentavam a insígnia -- uma "Águia" sentada.
Águia -- Ave sedenta de sangue!
Chegaram os batalhães, em forma se postaram --
Tomaram a praça e na rua o cadafalso levantaram.
Uma nuvem humana, ao redor dos batalhães, formou-se;
Olhares presos ao cadafalso. Silêncio total...
-- Um silêncio indizível. Quase quase mortal!
Eis que dois condenados, se postaram no cadafalso.
Acusação: Queriam explodir de César a fortaleza;
Odiavam a Águia sanguinolenta,
O gavião carniceiro, fartamente alimentado.

Dois condenados, no cadaflaso se postaram.
Acompanhados de soldados, com sables desembainhados,
Uma força descomunal contra os inimigos algemados!..
Eram dois apenas os transgressores. Pés descalços,
Pisando a neve, ouviam as mentiras do divino perdão.
Dois "pope", sermão predicavam.
Cumpriam a sua missão!
Aos condenados, cabelos tosaram.
Os machados afiados, não poderiam falhar.
Com toucas escuras, cabeças vestiram.
Pelo desejo de parricídio, a morte era o seu castigo.
Se perguntais: "quem é e onde, pois, está o pai?"
Direi a todos, já!
-- Aquele que aplica o castigo e não
O que, em si, traz o perdão que é o verdadeiro pai?..
Ó, como sois falsos todos vós, malditos mentirosos!
Quando ouso olhar-vos, enojado sinto um desejo de rir!

Dois condenados estavam sobre o cadafalso.
Calmos e sem lamentações, a morte enfrentavam.
Apenas proclamaram: "Senhores! Que viva a nossa pátria
O outro país, também amado, ao qual nós entregamos
as nossas cabeças, não nos faz abdicar do nosso amor!"
Ambas as cabeças rolaram. O carrasco as ensacou.
Os corpos, inertes, cairam sobre uma telega.
Foram recolhidos aos seus aposentos...

O povo, em silêncio, partiu para as suas habitações.
Alguns sentiram um grande amargor em seu peito.
Outros, num leve sorriso agradeciam as bênçãos de Deus
-- Durante a existência, puderam sentir coisas raras.
Por sua vez, sem ter mais nada a fazer, os batalhães
Marcharam para os quarteis... Ouvia-se apenas o surdo.
À frente, os estandartes ostentavam as insígnias --
Sentada, em destaque, a Águia tremulava. Era o gavião.
O sangue dos condenados (que a saciava) regurgitava!

Sanguinolenta. Em seus atos, não tão recente:
Dos idos anos -- em seus desenhos
Romanos altaneiros, soberba incontida ostentavam.
Detinham Brutus, em suas fileiras, que a César
-- por troca de espúrias honrarias, assassinara.
Porém, em vão aconteceu a trágica morte
O povo todo escravo sendo continuou... Da alma, a
escravatura mais terrível o mundo experimentou!..
Assim se foram todos -- um a um, os Césares;
Rios de sangue humano se derramou...
Conto antigo dos humanos, que a história perpetuou!

Quando me volto ao distante oriente:
Lá vejo as taizes dos ancestrais meus.
E César quer dar-lhes a liberdade... Só ele.
Porém, sozinho não o consegue. -- Apavorado,
Ser César deixará de sê-lo. Será um santo!..
Então pergunto, como poderia o César
A liberdade, a nós humanos, outorgar?
No estandarte, que ele ostenta,
Uma Águia -- um gavião sanguinolento, tremula.
O santo tem seu espírito em forma de pomba.
Perderam-se, os restos de fé, na descrença.
Sob os pensamentos, o coração se esganiça.

O sentimento de pena apoderou-se.
Aqueles humanos, que tombaram as suas cabeças
Sem externar, ao menos, uma revolta de dor,
Proclamaram: "Senhores! Que viva a nossa pátria
O outro país, também amado, ao qual nós entregamos
as nossas cabeças, não nos faz abdicar do nosso amor!"

Este cantar -- não é um simples conto.
-- É um lamento sobre a laje sepulcral
Recordação dos que tombaram pela pátria,
Doando as suas vidas, para salvar a liberdade.
São os mártires inesquecíveis. São justos patriotas.
São dignos de todo o respeito e da nossa veneração.
Este cantar -- não é um simples conto.
-- É um lamento sobre a laje sepulcral
Este canto eclodiu no peito dolorido,
Pra cinzelar, com tintas tristes, um passado...
Agora, que tens asas e tens a força da palavra
Ó!, meu canto triste, voe pelos espaços do mundo
Invada as águas dos mares. Faça-os mais marulhentos
Até alcançar os ensurdecidos ouvidos dos homens.
Que te ouçam, mesmo os que não querem ouvir!
O que tem alma em pecado -- pois que enlouqueça,
A ele nada tenho a dizer. Que ensurdeça.
A alma reta -- que aprenda comigo a lição. Há solução!
Os de mente amarga, só têem de pensar um pouco mais.
A ninguém mais quero me apresentar. Digo apenas,
Mergulhe, os seus pensamentos,
no marulhar das ondas do mar
E deixe que o vento os leve pelo mundo a disseminar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário